quarta-feira, 18 de junho de 2025

Uma távola não muito redonda


Conheci certo político, um prepóstero matemático, na verdade um apoucado intelectual, que durante seu virulento discurso declarou ter construído uma mesa onde o quadrado mesclava-se ao círculo, pondo fim ao milenar problema da quadratura do círculo. E apresentou o tal objeto (ou seria abjeto?): uma mesa parte curva, parte retilínea. Ouviu-se um oh, seguido de risos. A tentativa de embair a novel plateia, e não só o poviléu, mostrou-se como facécia. A dita távola, então, assimilou a alcunha de anomalia.

Dizem que Ulisses Guimarães, em 1988, após promulgar a anomalia, digo, a Constituição (desculpai-me o ato falho) foi assassinado. Isto porque ele seria um dos pretendentes a retirar a espada da pedra, um legado do deposto Imperador, a simbolizar uma espécie de retorno aos tempos de exautoração. Muitos foram os sardônicos representantes políticos que estadearam mínimos princípios éticos para sacarem a arma da rocha e aboletarem-se no precioso sólio.

Tancredo Neves tentou e morreu. Paulo Maluf pretendeu, José Serra intentou, Leonel Brizola diligenciou. Houve um primeiro Fernando que diziam caçar marajás (risos). Mas marajás não caçam marajás! Itamar não tentou, mas foi inquinado. Outro Fernando, a obumbrar intenso mau-caratismo surgiu como num fulgir de fogos de artifício. Mas a farsa tem prazo de validade. No perquirir mais agudamente optou-se em ter um órgão como estalão: o TSE.

Meu Deus! Dizia o TSE pôr novas regras à liça e adjudicar o cargo a quem, de fato, a ele fizesse jus. Qual nada! tresandaram, deflectiram. Creio que de modo consentâneo, permitiram que um herético, dado a libações, viesse tentar retirar a espada plantada por alguém de mirífico caráter. Em verdade, o dito representante escolhido pelo TSE teve origem num atascadouro e vende-se a troca de qualquer espórtula. O mesmo que colocar um lobo para zelar por ovelhas.

Resta-nos somente a certeza de que a espada continua enraizada na pedra.   

 

Obs: A linguagem um tanto rebuscada fez-se mister haja vista a seriedade do tema. 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Vilipêndio

 

Sou levado a crer que o cínico oportunismo de algumas pessoas acabam por torná-las reverenciadas. Não há o que se questionar em termo de aptidões, mas a despreocupação ética deveria conhecer limites. Até a Filosofia mostra-se refém de autores carentes de integridade. E infelizmente estas são referências literárias tidas como exemplares.

Comecemos por Arthur Schopenhauer. Muito embora pregar uma espécie de esvaziamento do mundo, em um de seus ataques de fúria jogou a vizinha, uma senhora, escada abaixo, o que lhe custou uma dívida vitalícia.

Outro grande autor de referência é Goethe. Nas palavras de Strong: “Goethe era a própria encarnação do egoísmo e da falta de coração”. Os biógrafos dele diziam que ele amou (?) cerca de sessenta mulheres. O caso extraconjugal que teve com a esposa de Friederike Brion serviu de inspiração para escrever Os sofrimentos do jovem Werther. O primeiro mandamento de Goethe seria: “Amarás o teu próximo e a sua esposa”. Assim como Goethe, Hegel admirava Napoleão, que invadira seu país.

Falemos agora de Jean-Jacques Rousseau. Segundo Strong, consta em suas Confissões que: “Na infância era um ladrãozinho. Em seus escritos, ele defendia o adultério e o suicídio. Viveu por mais de vinte anos na prática da licenciosidade. A maior parte de seus filhos, senão todos, ilegítimos, ele os mandava para o hospital dos enjeitados tão logo nasciam, deixando-os assim à dependência da caridade de estranhos, embora inflamasse as mães da França com eloquentes apelos para que elas acalentassem seus próprios bebês”. Este o homem - na verdade um apátrida - que veio nos propor O Contrato Social. No entanto, as propostas indecentes não se esgotaram.

Martin Heidegger, tão reverenciado nos estudos universitários, foi membro do partido nazista de 1933 a 1945. Em 1934 fundou o Comitê de Filosofia Jurídica da Academia Nacional Socialista de Direito Alemão. Sua formação foi em seminário protestante, todavia casou-se com uma católica e teve como amante uma judia.

Karl Marx. Uma de suas avós pertencia a rica família em Amsterdam; o primo Lionel Rothschild foi barão e membro do parlamento da cidade de Londres, descendência da qual muito se orgulhava. Segundo alguns historiadores, Marx fora contratado como agente dos Rothschilds para subverter a democracia e contaminar o movimento socialista. Em sua vida adulta, Karl Marx não trabalhava; boa parte do tempo era destinado à boemia e ao desregramento. Sempre se recusou a buscar uma profissão verdadeira. Seus recursos financeiros eram decorrentes de empréstimos feitos por amigos, dentre estes o empresário Friedrich Engels, e membros da família, com os quais não mantinha relações saudáveis. Gastou toda a herança familiar, bem como os bens da esposa. Ainda antes da morte da mãe, negociou o adiantamento da herança com seu tio Phillip. Incompetente para lidar com dinheiro, chegou a ser despejado do abrigo em Chelsea devida a falta de pagamento; teve a esposa e filhos jogados na rua. Talvez isso explique o ódio ao capitalismo. Mas defender trabalhadores? 

Paramos aqui? Não, falemos então de uma figura icônica: Jean-Paul Sartre, outra grande decepção. Filósofo, escritor e crítico, na verdade só se revelou por inteiro no leito de morte. Benny Lévy, seu secretário, anotou uma série de entrevistas com o autor e publicou no livro L’espoir maintenant (A esperança agora). Ali se expôs o verdadeiro Sartre. Sim, o filósofo nunca soube ou sentiu a tão afamada náusea; ele praticamente desmente tudo o que pregara durante toda a vida como existencialista ateu, inclusive criticou Marx e falou na ruína da democracia.

Não, eu não falei demais. Estai certos de que ainda há muito a se descobrir. Filosofastros e filosofemas da atualidade têm como premissas as citadas escolas. Por outro lado, as saudáveis referências como Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino e Kant foram lançadas ao ostracismo. Talvez agora possais entender o meu rompimento com a Filosofia.   

domingo, 15 de junho de 2025

Oráculo

 

As minhas andanças pelo mundo, haja vista a profissão de marítimo, facultou-me conhecer lugares não só famosos, mas também exóticos, muito embora o exotismo tenha lá suas nuances. E numa agradável manhã o Ore Oil atracou em Pireus, Atenas, um dos maiores portos do Mediterrâneo. A boa notícia era de que eu estava de licença; a má notícia era de que a operação de descarga seria bem rápida, coisa de 24 horas. Eu já tivera a oportunidade de conhecer Atenas; eu já visitara o Partenon, os vários templos e museus da belíssima cidade. Também conhecera a ilha de Mikonos e lá experimentara a famosa Moussaka. Desta feita, portanto, pretendia dirigir-me a Delfos.

Através do agente marítimo em Atenas, soube da existência de excursões para conhecer o povoado turístico, situado a aproximadamente 180 Km da capital. No pacote estava incluso a visita ao Monte Parnaso e ao Templo de Apolo Delfos. Rapidamente arrumei-me e deixei a máquina fotográfica em stand by (na época não havia celular). O carro contratado para a excursão veio ao porto buscar a mim e a mais 5 colegas. E lá fomos nós, tomados de curiosidade e pretenso conhecimento da língua helenista.

De início percorremos a estrada E75 em direção à Lamia, a uns 100 km nos voltamos para Levadia, cruzamos Arachova para, enfim, chegarmos a Delfos. O percurso de 3 horas não conseguiu afetar nossa determinação em conhecer o que fora considerado pelos antigos gregos como “O Centro do Mundo”. Bem, começamos pelo Museu Arqueológico, onde pude fotografar a Auriga de Delfos. Depois fomos à zona arqueológica, ao teatro com capacidade para 5000 espectadores, ao estádio que sediara os jogos Píticos e por fim as ruínas do Templo de Apolo.

Um detalhe sempre reclama minha atenção: em se tratando de templos politeístas, as pessoas demonstram alguma reserva; não sei se por tratar-se de religião pagã ou estar ligada a mitos. Mas eu buscava conhecimento; queria conhecer a história, a cultura de um povo e nada mais. Em suma, vi-me só a bisbilhotar as ruínas. O Templo tinha dimensões próximas a 60 metros de comprimento por 20 metros de largura, e em termos de arquitetura apresentava um desenho peripteral, ou seja, colunas ao redor de toda a estrutura.  Pois bem, e lá estava eu em meio às ruínas do imenso templo construído em estilo dórico.

Subitamente algo despertou-me o interesse: à entrada, próximo a um dos pilares centrais, uma bela mulher: rosto bem desenhado, pele clara, cabelos castanhos, com uma tiara de pedrinhas brancas a lhe adornar a testa, belos olhos e muita firmeza no semblante. Sem sorrir, dirigiu-se a mim e disse em grego: “To ónomá mou eínai Pítia”. Ela dizia chamar-se Pítia, ou seja, uma das famosas pitonisas do Templo de Apolo Delfos. Apresentei-me igualmente com um grego de beira de cais e a encarei. Disse-me ela que, embora não ter sido consultada, precisava fazer-me uma revelação. Com um gesto deixei-a à vontade. E ela falou: - “Conhecerás um outro mundo, um lugar onde não mais haverá princípios ou valores. Os interesses de poucos irão sobrepujar as necessidades de muitos. Clamarás por justiça e serás apedrejado. Pensamentos serão diuturnamente vigiados. Liberdades individuais vilipendiadas. As informações serão manipuladas. Nada de igualdade, nada de fraternidade, apenas hipocrisia e crueldade. A incultura será enaltecida e as artes entrarão em declínio”.

Ao término de tais palavras ela simplesmente desapareceu. Em face da extravagante ocorrência, decidi-me jamais comentar o acontecido. Todavia, o mundo hodierno faz-me, com frequência, recordar Pítia e seu oráculo.    

sábado, 14 de junho de 2025

O retorno

 

Enfim, de volta ao trabalho. Há quantos anos desempregado? Talvez oito, talvez mais. Não vos deixeis enganar: a ociosidade é agressiva e deprimente. Gosto de trabalhar, de produzir, de ser útil... e até isso me fora negado. O trabalho, muito embora muitos não concordem, enobrece. A frase de origem bíblica “ganhar o pão com o suor do rosto” sempre esteve presente, pois não sou afeito a programas sociais que nos roubam a dignidade. Confesso que cheguei a incorporar o estereótipo pautado no etarismo, onde “velho não serve mais para nada”. O desconcertante em tudo isso é que “possíveis empregadores”, ao se depararem com idosos, exigem deles um Curriculum Vitae. Para quê? Por que? Currículos ocultam não só o aviltante, mas também o meritório.

Bem, mas lá estava eu no escritório. Que oportunidade! Adaptar-me-ia às novas exigências? Uma escrivaninha, minha mesa, e sobre ela um laptop; uma máquina para chamar de minha. Lembrei-me do curso de datilografia quase obrigatório; o básico era de 40 a 60 toques por minuto. Estenografia? Nem pensar! Ali fazia-se necessário meu parecer. Papéis, contratos a serem analisados... No canto da mesa uma pasta aberta; no documento anexo, a página repleta de letras em desalinho que, a princípio, não faziam qualquer sentido. Tratar-se-ia de outro idioma? Não, definitivamente. Pus-me a investigar o papel de modo criterioso. Não se tratava de código ou mensagem criptografada; era algo próximo da nossa linguagem. Erros crassos de português: ortografia, regência, concordância, pontuação...

Dúvidas. O que fazer? Seria de minha alçada corrigi-los para que o documento tivesse facilitada a compreensão? Auferi que não saberia lidar com o surreal. Com minha disposição a declinar, abri a gaveta do arquivo metálico: dentro de um envelope pardo, guimbas de algo similar a cigarros artesanais. Olhei em torno: cabelos de cores as mais variadas, orelhas e abas de narizes ataviados, membros e pescoços repletos de tatuagens, pessoas fixadas (ou não) em seus afazeres, pois tinham a atenção voltada às telas de seus aparelhos celulares. Alguém ergueu a cabeça, esboçou um sorriso, abandonou a cadeira, dirigiu-se à citada gaveta, pegou uma das guimbas e acendeu-a. Boquiaberto seria o que melhor me definiria naquele momento. Que lugar era aquele? Não mais me identifiquei com o dito trabalho; eu estava a vivenciar o inefável. Então, pensei nos anos em que fora banido do mercado trabalhista.

Em acréscimo ao esdrúxulo cenário, o chefe que me contratara adentrou o recinto, sorriu e informou: “vamos fechar o escritório, mas todos vocês poderão continuar trabalhando home office”. Aplausos, comemorações, aclamações. Não obstante tratar-se do meu primeiro dia de labuta, baixei a cabeça, peguei meus pertences e abandonei o lugar. Percebi, mesmo a contragosto, que meu tempo esgotara-se; eu não apenas voltava à margem da vida, mas vivia o descaminho, a degradação dos valores. Por ora, pessoas buscam apenas lucros e reconhecimentos individuais através de subterfúgios. Empresários e seus encarregados de RH preferem ignorar que currículos não se ocupam de dedicação, lealdade, honestidade profissional...  

Estou de volta ao vazio existencial! Afinal, “o bom filho a casa torna!”

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Ambígua genealogia


Baseado em fatos reais

Talvez a inconformidade com a situação leve este meu amigo a tornar pública sua genealogia. De antemão posso vos afiançar que não se trata de ambição, promoção ou busca por estilo de vida diferenciado. Conhecendo-o como eu conheço, sabendo-o alguém tão voltado ao conhecimento e ligado à família, sou levado a crer em suas informações, por mais estapafúrdias que estas pareçam. Sem mais delongas, portanto, dou início à narrativa.

E tudo teve início quando Gabriel leu uma publicação dos Diplomados pela Academia Brasileira de Letras. Neste impresso, um breve artigo de sua tia-avó que durante muitos anos fora secretária da ABL. A matéria relatava, e de modo muito sutil, a história de uma menininha que participara de um sarau com o então Imperador Pedro II. Ao final do evento, o Imperador pegou a criança nos braços e tentou iniciar uma conversa. - “Diga a todos o seu nome!” A menina olhou em torno e falou bem baixinho: - “Maria”. O soberano provocou: - “Não tenhas receio”. E a criança respondeu: - “Todos me disseram para chamar o senhor de Majestade, mas como é seu nome?” E ele então, entre sorrisos, afagos e carinhos, falou: - “Chama-me somente Pedro!”

Não obstante a leveza, o texto discorria, inclusive, sobre os pais da menininha: ambos eram cegos. A tia-avó de Gabriel terminava a narrativa com a frase: - “E esta menina era minha mãe!” Eis aí a origem de toda a investigação realizada, pois afinal o amigo acabara de saber um pouco mais sobre sua bisavó. Então teve lugar a busca por documentos, livros, biografias, cartas... A pesquisa revelou que D. Pedro II foi um homem voltado à leitura, ao conhecimento, à música. A política não era de seu agrado; o mesmo não se pode dizer da filha Isabel. Como homem voltado às artes, pessoa de bastante sensibilidade, acabou por se envolver com outras mulheres; poucas, na verdade. Diferentemente do pai, D. Pedro I, ele não colecionava amantes.

Gabriel, em suas diligências, deparou-se com um certo lado “oculto” de sua própria história. O envolvimento de Pedro II com a esposa de um jardineiro do palácio suscitou uma gravidez; gravidez esta que originou dois filhos gêmeos, ambos cegos de nascença. Talvez isso explique o porquê do Imperador ter inaugurado o Instituto Benjamin Constant, para cegos, em 1854. E os filhos do regente lá estudaram e lá conheceram suas esposas, também cegas. Pois bem, um dos deficientes visuais, músico e compositor fora o pai de sua bisavó, neta do Imperador.  

Aqui voltamo-nos à reflexão: seria de tal monta a imaginação e/ou criatividade a ponto de perverter a história? Bem, e como informação adicional, omitindo, por certo, a condição de ilegítimo, o amigo Gabriel está pensando fazer constar em seu Curriculum Vitae o título de pentataraneto de Pedro II.


Loa

 

Penso em contar um causo, contudo corro o risco de iniciar um discurso laudativo; quem sabe uma parlenda? Ainda assim, atrever-me-ei.

 Era São João, ou melhor, estávamos na festa junina. Alegria, música, fogos de artifício. Eis que a meu lado surge um cabelo vermelho... cores de certo crepúsculo. A cabeleira nada esvoaçante faz-me lembrar um leão, mas era uma leoa. Observo o céu: sim balões em demasia, algumas estrelas, o luar e nada de quasares a pulsar. Evoco Afrodite, Eros e sei lá quem mais... A leoa devora-me; ela tem atrevimento no olhar. Imagino o leito, afinal... Penso em pedir para ser por ela arrebatado, quem sabe imolado, mesmo que num forjado élan. Que tal fazer minhas as palavras do poeta e suplicar: “Adapte-me ao seu ‘Ne me quitte pas’”. Deus, que confusão! Confundi a leoa com a camaleoa. E o pior: descobri, muito embora tendo a licença poética como desculpa, que camaleão é substantivo epiceno. 

Quimérica detenção


A senhora a gritar sozinha no apartamento próximo. Os vizinhos, num misto de curiosidade e preocupação, chamaram a polícia. Telefonemas, correria... E rapidamente chega o veículo da Polícia Militar. Os policiais ainda ouviam os gritos da matrona quando aperam do carro. Bateram à porta; ninguém abria. Trancada! O jeito foi arrombar. Armas em punho, adentraram o pequeno apartamento. A senhora com cabelos grisalhos e desgrenhados exibia um semblante apavorado; olhos um tanto arregalados, mãos estendidas como a se proteger. E os membros da corporação a perguntar pelo ocorrido. A mulher apontava para a parede próxima e dizia ali estar o homem que a ameaçava.

O que parecia chefiar o grupo meneou a cabeça, sorriu com desfaçatez e ordenou que todos saíssem. Para ele, aquilo não era da alçada da polícia e sim uma emergência psiquiátrica. Saíram, mas a senhora continuou com seus gritos, afinal a ameaça ainda estava presente. A tão esperada ambulância não se fazia presente. A vizinhança em polvorosa, o telefone celular usado como filmadora. Volta e meia um inluencer para falar bobagens. Surgiram também ativistas dos Direitos Humanos para criticar as instituições.

Eu acabara de despertar. Já passava das 8:30h da manhã; fora dormir tarde por conta do trabalho. Como policial eu era neófito, mas como ser humano... Decidi-me, portanto, fazer alguma coisa para auxiliar a senhora em crise. Galguei com alguma rapidez os degraus e fiz-me apresentar. A senhora, apontando para a parede à frente, dizia estar sendo ameaçada por aquele homem. Quiçá levado pela pouca prática, perguntei: - “A senhora o conhece?” Ela titubeou para responder com constrangimento: - “Sim, foi meu ex noivo; eu o deixei antes do casamento. Morreu faz pouco tempo. Ele nunca me perdoou e agora diz que vai se vingar”.

Ainda que atônito, eu precisava fazer algo, mas o que exatamente? Nada no âmbito policial. Seriam coisas do coração... pensei de mim para comigo. De repente, como que tomado de inspiração, voltei-me à parede e ameacei: - “O senhor não deve fazer isso: incomodando e constrangendo esta mulher! Posso, como policial que sou, enquadrá-lo no artigo 121-A, tentativa de feminicídio”. A mulher mostrou-se mais calma. Minha manobra surtira efeito. Então dei continuidade a meu desempenho artístico-policialesco: - “O senhor vai se negar?” Esperei alguns segundos e exibi as algemas: - “Então o senhor terá que me acompanhar”. Dirigi-me à parede vazia e avisei: - “O senhor tem o direito de permanecer calado e tudo o que disser poderá ser usado contra o senhor no tribunal; o senhor tem direito a um advogado e se não tiver como pagá-lo, o Estado providenciará um para representar-te”. Ao sair, voltei-me para a mulher que esteve todo o tempo calada e sugeri: - “Feche bem a porta!”

Desci as escadas e fui para a delegacia. Ora, agi como se conduzisse um suspeito. O pior de tudo é que ele, o fantasma, certamente seria liberado na audiência de custódia.     


De volta à antiga Grécia

 

O quão de antigo me reporto? Ao século VIII ou VII a.C. Sim, uma Grécia muito antiga. E lá estava o Panteon; e lá estavam os deuses. Se bem que os deuses de então empenhavam-se em exibir as mesmas imperfeições dos seres humanos. Pergunta-se: eram, de fato, deuses? Deuses ardilosos, vingativos, exibidos; deuses que assediavam e seduziam mulheres, que cometiam adultério e incesto. O Panteon era o lugar preferido para que os deuses tecessem tramoias, planos para adulterar e ludibriar os mortais.

Mas aí surge Prometeu, e juntamente com seu irmão levaram aos seres humanos o fogo roubado dos deuses, ou seja, deram aos mortais a chance de pensarem, de falarem, de exporem seus problemas e suas opiniões. O castigo dado a Prometeu foi exemplar, afinal seres humanos não mais permitiriam ser manipulados. As retaliações foram terríveis; todos os tipos de males foram lançados sobre nós. À boca pequena, há quem diga que a guerra do Peloponeso, 431 à 404 a. C., teria sido cortina de fumaça, pois a democracia, uma aspiração do povo, precisava sofrer obstáculos.

Pergunta-se: os dias atuais são diferentes? Não! Enfim, retornamos ou permanecemos na Grécia antiga? Os “Panteões” da atualidade se travestem de Encontros de Cúpula, Fóruns Econômicos, Organizações Mundiais. As mesmas famílias, ainda que ocultas, (os mesmos falsos deuses de outrora), orientam a economia, obstruem informações, estimulam gastos, promovem guerras, financiam epidemias, e não só pelo poder, mas a visar o lucro das indústrias farmacêuticas, alimentícias, armamentista, etc. Curioso: continuamos sendo manipulados e tudo em nome da democracia. Os mais exaltados clamam: “Onde está Prometeu?” Ora, está presente, só que agora exibe a alcunha de Redes Sociais. Por isso querem calá-lo!       

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Terminologia

 

Sou favorável a uma possível normatização no uso da linguagem. Por que? vós me perguntaríeis. Simples: o mau uso do idioma só faz apequená-lo, degradá-lo, torná-lo medíocre, tão medíocre quanto os que dele se valem. Exemplifiquemos, pois! Pessoas presas em flagrante, que inegavelmente temem pela própria vida e não querem delatar os parceiros no crime, falam em LEALDADE. Criminosos confessos bradam por DIREITOS e exigem JUSTIÇA. É tão comum ouvir políticos falarem em HONESTIDADE, LISURA, TRANSPARÊNCIA. “Os modernos socialistas clamam: ‘LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE’, e negam algo mais que a unidade humana, desenvolvimento e cultura” (Strong). Para terminar cito os neófitos, incipientes e insipientes ditadores que amam discorrer sobre DEMOCRACIA.

Anacronismo

 

Procuro por referências, mas onde? Só no passado. O que de positivo a modernidade tem a oferecer? Desenvolvimento tecnocientífico? A arte como um todo? Programas socioeducativos? Seriedade nas políticas públicas? Uma melhor distribuição de rendas? Ora, fazei-me um favor! Tudo não passa de um extenso e cansativo blá-blá-blá. Mas aqui devo fazer um mea culpa; sim, durante anos permiti-me crer em narrativas mítico-enganosas. E com sério sentimento de culpa observo as novas gerações. Enfim, o que esperar de potenciais suicidas que em tudo reconhecem-se como vítimas; que se negam a cumprir normas e serem gerenciados; que pretendem usufruir de total liberdade, se bem que distantes de qualquer responsabilidade?

Recordo-me, então, que o ser humano ainda precisa de heróis, de ídolos, de mitos. Todavia, onde encontrá-los? Mesmo ciente de estar a cometer um grave erro de anacronismo, volto-me ao século XIX. Oh Deus, quanta decepção! Imaginai que ao conversar com um jovem acerca dos antigos personagens, disse-me ele que, ao invés de um D’Artagnan, preferiria deixar o cavanhaque crescer, colocar uma venda no olho esquerdo, uma bandana na cabeça, uma espada na cintura e encarnar Hook, o Capitão Gancho.

Tudo se resume a uma questão de valores!

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Insídia

 

Alertaram-me quanto a acidentes, pois que, para “modelos antigos” como eu, não mais existiriam peças de reposição. Como responder? De início agradecido, pois isso, de fato, procede. Minha geração, pessoas como eu, apesar dos inúmeros malfeitos, dificilmente serão substituídas. Trata-se de valores, de princípios; trata-se de integridade, uma disposição - assim creio - até então desconhecida pela “nova classe”.

Bem, mas neste passo deparo-me com um dilema: devo entender-me como alguém singular? Em face da patente degeneração social, confesso realmente estar inclinado a sentir-me assim. Todavia, como ficaria a modéstia? Modéstia, um termo insidioso. Explico-me: negar-se a ser modesto é arrogância; assumir a modéstia, decerto seguir-se-á a acusação de falsa modéstia; negar a falsa modéstia, por certo receberá o epíteto de hipócrita.

Logo, outra constatação se me apresenta: como está difícil conviver com tantos adjetivos!   

Escritos intempestivos

 

A coisa é mais séria do que parece. Tornei-me atemporal somente porque o hábito de ler caiu em desuso. É preocupante! Não por sentir-me alijado em meus escritos intempestivos, mas porque não só a leitura, como também os demais bons hábitos estão sendo relegados ao ostracismo. Sem entender o porquê, percebo que a comunicação mostra-se cada vez mais necessária. Se bem que uma comunicação rota, superficial, desnutrida, numa linguagem banal, capenga, distante até mesmo da coloquialidade. Infelizmente, além do abandono da leitura, incorpora-se dia-a-dia um sem número de estrangeirismos. (Alguém sugeriu-me um novo título para o presente texto: “Timeless Writings”). Aquém do desinteresse linguístico, a subserviência inata, a mentalidade colonial.  

Ser brasileiro é isso: é empenhar-se em não ser; é lutar por uma não identidade! 

Vazio


Esvaziei-me do mundo, da mundanidade. Fiz-me ausente; ausente até da literatura, das artes... Afinal, o que o mundo tem a nos oferecer? E, por favor, deixemos de lado o romantismo, a fantasia, o clichê. Pelo mundo somos ludibriados, enganados... Realidades são forjadas, verdades manipuladas, histórias distorcidas. Somos reféns de modismos, de ardis. O recurso midiático enaltece o crime, os desvalores; o individualismo e a vaidade são estimulados. Até mesmo a indústria assimilou o idiotismo passageiro ao voltar-se à obsolescência programada.  E, infelizmente, as artes desvirtuaram-se, pois cumprem um papel ideológico.

A pergunta então seria: esvaziei-me do que? 

sábado, 24 de maio de 2025

Id bonum est (Isso é bom)

 

Ando a pensar - a divagar talvez - em escrever um projeto de lei, onde o latim voltasse a ser ministrado nas escolas. Loucura? Mesmo? Meu argumento: já que a língua inglesa, gradativamente, conquistou seu espaço em nosso idioma, levando com isso a criação de inúmeros cursos em nosso país, por que não o latim? Pois caso não tenhais percebido, a novidade agora - uma tendência? - é usar títulos e/ou nomes genéricos em uma língua considerada morta. Quereis exemplos? Vamos a eles!

Uma bela cantora e também atriz, depois de brilhar mais que a própria “Purpurina”, presta-se a fazer comerciais de medicamentos valendo-se do latim de extintos bucaneiros europeus. Estaria ela em busca do brilho perdido? Coisa interessante, o nome do laboratório é uma mistura de latim com inglês. Outro exemplo volta-se à Pereskia Aculeata, uma trepadeira folhosa, rústica, indicada em casos de anemia, melhora do funcionamento intestinal, perda de peso e envelhecimento precoce. Pois bem, a planta ficou conhecida como Ora Pro Nobis, ou seja, Orai Por Nós.  

Esses são, de fato, pecadores! Estaria eu exagerando?  


quinta-feira, 22 de maio de 2025

Alimento-base

 

Perdoai-me o molesto, mas acredito estarmos diante de grave problema alimentar. Afinal, as pessoas necessitam de nutrientes para que as funções vitais também do intelecto sejam mantidas. Não falo em carboidratos, vitaminas, proteínas ou sais minerais; falo em conhecimento, em livros como alimento. Todavia, receio ter sido aberta uma janela, a Janela de Overton, e por ela o apedeutismo tornou-se parte integrante de nosso cotidiano. A ignorância agora é mainstream; o conhecimento está marginalizado.

Senão vejamos: como reconstruir uma sociedade estável e feliz a partir de pessoas egoístas, fracas, desonestas, miseráveis, corruptas? A fazer minhas as palavras de Aristóteles, cito: “A iniquidade perverte o juízo e faz os homens errarem no que se refere aos princípios práticos, de modo que aquele que não é bom não pode ser sábio e judicioso”. E Spurgeon pode então corroborar: “A sociedade jamais será melhor do que os indivíduos que a formam”. De que precisamos, então? Execuções? Não! Alimentos, livros, livros, livros...

Por onde andam nossas bibliotecas de referência? O fechamento de bibliotecas é sintoma grave de degeneração social. Nossa maior referência literária - ABL - virou “puxadinho” ideológico. Temos livrarias, bem poucas na verdade, mas estas não oferecem o alimento necessário. Dando prosseguimento à metáfora, declaro que livrarias oferecem apenas fast foods. As obras hodiernas são alimentos nocivos. A crise na criatividade também pode ser explicada: enfim, como pode uma sociedade desprovida dos mínimos valores produzir algo de referência? Livrarias vendem tira-gostos que contemplam o Eu. E isso é grave, pois “o Eu é um princípio de isolamento”. Como pensar uma sociedade justa e harmônica quando esta contempla somente o interesse de alguns Eus?

Lamentavelmente, em nosso país, como em muitos outros, seres humanos, além de famintos, estão sendo envenenados.     

Teen reborn

 

A nova febre chama-se bebê reborn. Tem vovó irritada porque os postos de saúde negam-se em vaciná-los. Calculo que essas vovós sejam herança (ou consequência) viva (muita droga) de Woodstock. Mas voltemos aos bebês, ou melhor às bonecas. Tem gente exigindo creches para deixarem as bonecas enquanto trabalham. Outros querem atendimento pelo SUS. E essa agora é de cair o queixo: tem bebê reborn recebendo pensão alimentícia.

Será que ainda pode piorar? Prometo que vou me esforçar. Que tal um adolescente reborn? Educação? Teriam direito ao Programa Pé-de-Meia? Fariam o quê nas universidades? Pergunto-me também pela ideologia escolhida (escolhida?). Conseguiriam trabalho? Que tal como jovem aprendiz? Seriam também aficionados em mídias sociais? Fãs de Alok, com sua música eletrônica?  Drogas? Pera aí!

Não, nada de assombro! A adolescência (teen) reborn (renascida) apesar de carne e osso, partilham do nosso dia-a-dia.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Surpresas?

 

A vida é repleta de surpresas. Quem poderia imaginar Darth Vader pai de Luke Skywalker e da princesa Léia? Quem diria então que os gregos, criadores da Filosofia, nos brindariam com um Cavalo de Tróia chamado democracia? Há os que comemoram as chuvas, enquanto outros cantam “Here comes the Sun”. Quanto tempo faz que estamos em guerra? Nossa história, a dos seres humanos, parece ser pontuada apenas pelo mal. Não, a vida não é só surpresas; há consequências! Quem diria, ator famoso, após a harmonização facial (cara de cebola), presta-se a fazer comercial de estimulante sexual; cantora a usar latim de cabaré para vender medicamentos e apresentadora no ostracismo com um comercial de margarina. Carecemos de heróis; os ídolos são fabricados. Até mesmo a nova geração de pregadores, ao simplificar a essência religiosa, foi responsável pelo declínio espiritual. Valores se perderam, a arte está em crise, o fim está próximo...  


terça-feira, 20 de maio de 2025

O turista

 

Os telejornais não falavam outra coisa: Clark Kent a passear pelo calçadão em Copacabana! Mas ele não podia dar um passo; fãs de todas as idades querendo fazer selfies. E a primeira pergunta ocorreu-me: onde estaria Lois Lane? Os antenados apressaram-se em informar: “Acabou, ela agora está com o Lex Luthor. Parece que Lois desconfiou de um affair entre o marido e a ex Lana Lang”. É, a fila anda...

Já próximo do Forte Copacabana, uma meia dúzia de engraçadinhos disfarçados de fãs tentaram furtar o turista. A coisa complicou! Clark distribuiu tapas para todos os lados. Um deles sacou da arma, uma Glock Echelon e atirou repetidas vezes. Mas ali, afinal, estava o super-homem, e os tiros de nada adiantaram. Então os pilantras pediram ajuda.  E eis que surge um comboio da facção a que pertenciam. Gente correndo, tiro pra todo lado, alguns feridos.

Nesta altura, talvez levado pelo hábito, Clark procura por uma cabine telefônica para trocar de roupa. Mas... não mais existem cabinas telefônicas; o negócio agora resume-se a cell phone. O herói invade a portaria de um prédio residencial para arrancar o “paisano”. Mulheres gritam e o acusam de atentado ao pudor e exibicionismo. Por debaixo dos panos estavam o macacão azul com o escudo no peito e a capa vermelha. Superman entra em cena, destrói os comboios, distribui pancadas e prende todos os meliantes. Não muito distante, a milícia observa.

A polícia chega, prende todos os delinquentes, apreende armas, munições, etc. O flagrante é lavrado. Clark é obrigado a comparecer à delegacia para prestar queixa. Os detentos são conduzidos à audiência de custódia. Então, pasmai: os marginais são postos em liberdade. A mídia, que horas antes locupletava-se com a notícia do ídolo a caminhar pelas ruas, agora o acusa de “uso excessivo da força”, pois afinal aquelas pessoas eram “vítimas de uma sociedade desigual” (risos). Uma repórter, a falar em “jornalismo com ética e credibilidade”, exibe fotos do Clark a se trocar na portaria do prédio. O ativismo “social-pata” exige punições para o herói.

Por tratar-se de estrangeiro e alguém famoso, a Polícia Federal foi acionada, até porque Clark foi acusado de espionagem. Donald Trump, inclusive, já foi citado como mandante em algumas reportagens. Mas, apesar das acusações feitas pelo Ministério Público, ninguém se mexeu. Enfim, quem se exporia a levar porrada? A Procuradoria Geral da República já ofereceu denúncia e o STF reuniu-se. Dizem que o Xandão já encomendou 1 Kg de kriptonita para poder prender o fascista que atentou contra o Estado Democrático e colocá-lo na Papuda. Um outro ministro, quando consultado acerca do processo, respondeu: “Ora pois, a extradição será negada”.

A mais recente e boa notícia foi a de que Clark subiu ao telhado do Copacabana Palace, trocou de roupa e voou para casa.         

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Similaridade

 

Teria sido um sonho? Desde aquela noite faço-me a mesma pergunta, o que atesta minha patente dessabença. Estaria eu sendo estimulado pela vera realidade? Sim, de início pareceu-me real, mas depois... imagens, circunstâncias e situações rápidas, porém nítidas. Estava em um funeral; via pessoas, familiares a vagar. Então procurei localizar-me. Foi quando ergui-me do esquife. E lá estava meu corpo, ou melhor, o que até então me servira de invólucro. Assustei-me com a cena: meu rosto sereno, mãos cruzadas sobre o peito, o terno e a gravata a servir de adorno. Dir-se-ia uma mórbida elegância. Pisei o chão da capela e pus-me a vagar por entre os visitantes. Ninguém dava por mim. Se eu pertencesse a recente geração, por certo consideraria: “Pior do que estar morto é não ser notado!”

Súbito um olhar a encarar-me: menino de 4 anos talvez, aloirado, bonitinho. E ele falou alto e em bom som: - “É o vovô; ele está aqui!” Meu neto?! Desconhecia aquela descendência. Gritos, choros e olhares vagando a minha procura. Eu não tinha onde nem porque refugiar-me, pois passavam por mim, esbarravam em mim... Não, não esbarravam. Passavam através de mim. E dizem que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Se bem que... meu corpo repousava no ataúde. A agitação tomou vulto; alguém apressou-se em chamar um padre. Só me faltava essa: ser exorcizado depois de morto. E quando a balbúrdia mostrava-se inadministrável, acordei.

E a pergunta: Acordara de fato? Ou despertara para a verdadeira não-vida? De pé ao lado da cama eu buscava por um corpo, pelo meu corpo. Mas o corpo estava em mim, ou eu no corpo... sei lá. E dali em diante, o que seria, de fato, viver? Quem sabe uma morte mascarada? Dúvidas perseguem-me, contudo uma quase certeza se me apegou: vivemos apenas o arremedo do que chamam vida!   

domingo, 4 de maio de 2025

Genus indefinitum

 

Criaturas, apenas criaturas; difícil identificar uma raça. Até porque, já que de raça indefinida, ela pode assumir as características de qualquer outra. Manifestam-se como lobos, como hienas, como cobras, como agressivos felinos... Se bem que, por vezes, surge um humano; bem poucos, na verdade. Estes tornaram-se exemplos a serem seguidos: patriarcas, líderes e também profetas. Mas a sociedade - melhor falar em bando - de “mixta stirpe” (sem raça definida) negou-se a seguir os exemplos.

A desordem tomou vulto: indefinidos a dominar, escravizar e explorar seus iguais. A violência fez-se presente; a anomalia instituiu-se. As ditas criaturas, cientes e portadoras de uma degradação inata, deram azo às mais primitivas inclinações. E quando os perseguidos buscavam um novo líder para os libertar, surge um humano com atitudes similares a uma ovelha. Sim, alguém que exemplifica a humildade, a honradez, a lhaneza; a ovelha arquétipo do amor, da caridade, da compreensão...

Mas isso teve consequências, afinal o bom exemplo dentre um bando de escroques, por certo “contaminará” todo o resto. E o contágio veio; muitos indefinidos quiseram tornar-se também ovelhas. A repressão, a perseguição como resposta. Acusações forjadas, prisão, tortura e morte. A humilhação, contudo, foi de certo modo consentida, pois o humilhado negou-se a abandonar sua condição de ovelha; o fato de negar-se a si mesmo foi seu principal legado. Ele abriu mão de si e fez-se ovelha para nos ensinar como nos tornar seres humanos e não meras criaturas.

Muitos dizem: o mundo continuou tal e qual. Será? Houve melhoras? Não, evidentemente. Mas o que esperar de sociedades que respiram aviltamento, depravação, corrupção? A indignidade é mais fácil de ser seguida; probidade, integridade e lisura dão trabalho e não trazem recompensas imediatas. Então o desvairamento cresce em progressão geométrica; a apostasia assoberbou-se, tornou-se endêmica.

Não, nosso modelo não se ausentou; apenas não mais temos dEle a presença física. Ele continua presente, atuante, imanente. Todavia, em face de tantos desmandos a ovelha metamorfoseou-se: Cresceu em tamanho, tem músculos mais pronunciados; não mais a lã para nosso conforto; não mais o pálido balido, mas o rugido atemorizador.  Devo lembrar-vos de que Aquele que dantes mostrou-se como ovelha, em breve revelar-se-á como leão.   

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Algaravia

 

A era digital potencializou a incivilidade. A começar pelos teclados dos telefones celulares, pois o corretor de textos já é o estar consciente dos desmesurados enganos. E tudo teve início com um feijão, ou melhor, com minha tentativa de enviar um beijão. Mas depois percebi a confusão entre filha e pilha e trilha ou filha, folha, rolha. Não e mão. Absurdo, pois filha já foi confundida com falha. Ih, falha nossa ou folha nossa (ou seria fossa?) Todavia algo faz sentido, pois lançar um dardo seria semelhante livrar-se de um fardo. Pergunto-vos: chutar uma bola seria o mesmo que pisar (ou posar) numa mola? Para terminar fica aqui uma dica (bica?): abstém-te da paixão. (O mesmo serve para o caixão).

sábado, 29 de março de 2025

Paradigmas

 

“A única coisa que temos que temer é o próprio medo”. As palavras de Franklin D. Roosevelt levaram-me a pensar. Já percebestes que somos criados sob o domínio do medo? Atentai: eu não falo em prudência! Fomos moldados de tal forma que em tudo identificamos perigos e /ou ameaças, independentemente se reais, hipotéticas ou imaginárias. Somos ensinados a tudo temer; o temor nos é imposto. Como é possível uma convivência pacífica onde o medo é algo cultural? Com o medo vem a desconfiança, o que talvez explique a agressividade, a violência. Nas relações sociais esse construído receio já nos passa despercebido; cautela ou precaução seriam apenas eufemismos. É pertinente lembrar-vos de que os animais, domesticados ou não, percebem nosso medo. A coragem sim, a firmeza de ânimo teria poder sobre a criação.

Mas este paradigma educacional não se apresenta de modo isolado. Pergunta-se: Afinal, por que tanto temor? E a resposta certamente referir-se-á à preservação da vida. Bem, preservar a vida não constitui problema algum; o problema reside na morte. E, salvo melhor juízo, não se teme a morte, mas o desconhecido. Segundo o que nos é passado, a morte assume um status de punição, de castigo, de penalidade. Constantemente somos ameaçados com a morte. Ora, viver é um postulado da natureza. Porventura a morte seria contrária à natureza? Pelo que me consta, a morte é algo natural; morte e vida são correlativos necessários. Percebei: ao nos colocarmos contra a morte, colocamo-nos contra a natureza que dizemos defender.

Em verdade, os padrões comportamentais a que somos submetidos objetivam apenas a preservação do ego. Sim, por trás de tudo está o culto ao ego. O Eu desfruta de uma posição privilegiada desde tenra idade. Os pais e também a sociedade nos estimulam à satisfação pessoal. O “respeito” ao Eu já tomou rumos inimagináveis. Entretanto, devo alertar-vos: na passagem da preconsciência para a autoconsciência o Eu, em contato com o mundo exterior, busca afirmar-se, quer reconhecimento. Não, não vos enganeis, pois o culto ao Eu não tem como consequência apenas o egoísmo. Essa veneração imoderada ao Eu leva, invariavelmente, à vaidade, à arrogância, à prepotência, à satisfação desenfreada, à sensualidade exacerbada, à inveja, ao ciúme, à agressão, à violência, ao crime... E como o desejo não conhece a saciedade, o ego fará de tudo para colocar-se cada vez mais em destaque. A autoconsciência, no desfrutar da liberdade, busca a todo custo postar-se acima até mesmo da sociedade que a abriga. A consciência, ao desconhecer limites, opta pelo Eu e desconsidera tudo o mais.

Logo, rogo a todos vós empenhados no culto ao Eu, não venhais discorrer acerca do respeito ao próximo, da solidariedade, de direitos, etc. Antes de tudo devíeis temer o vosso e os outros egos!            

O Mundo como Farsa e Manipulação

 

Meu pessimismo em relação ao mundo tornou-me bem próximo de Arthur Schopenhauer, o que talvez explique o parafrasear do título de sua obra O Mundo como Vontade e Representação. Não, não devo usar o apud, pois nada do que será tratado aqui está relacionado com o conteúdo da obra. De início venho afirmar que a força cega, o princípio fundamental que move o mundo (eu falo do mundo real) não é a Vontade, mas a farsa, a falácia, a impostura. E não só substituo a Vontade pela Farsa, como também a Representação pela Manipulação.  

Ora, num mundo entrópico onde imperam sofismas, nada há que se vincule à razão. E nesta comédia - o mundo como um todo - só há três tipos de personagens: os idiotas, os fraudadores e os pouquíssimos prudentes. Os idiotas, já que enceguecidos pelas fraudes, em tudo creem e vivem em busca de uma prometida felicidade. Os fraudadores, acalentados pelas incansáveis barganhas, sentem-se senhores do mundo; nele buscam afirmar-se e deixar suas marcas, seja social, artística, política ou cultural. Já os prudentes, coitados, apenas passam pelo mundo, alguns deles insignificantes grafomaníacos como eu.

Bem, em se tratando de farsa e manipulação, buscamos saber, de início, como se dá o embuste e quem seriam os embusteiros. Na verdade, a burla começa na infância. Não obstante os princípios religiosos, em nome até mesmo de uma pseudociência, ignóbeis valores nos são impingidos. Fatos históricos verdadeiros são distorcidos e/ou postos de lado. Heróis são criados apenas com o intuito de forjar a imprestabilidade. No esporte, inventam-se mitos; mitos estes que desconhecem o que seja intrepidez ou denodo. Alguns torpes compositores e intérpretes são ardilosamente ovacionados, de modo a influenciarem gerações. Obras de arte e espetáculos são utilizados para servirem de modelo à poltronaria.

Mas os “Senhores do Mundo” não se limitam às instituições governamentais, sejam elas executivas, legislativas ou judiciárias. O processo de manipulação tem seus sequazes. Noticiários transbordam de desordem informacional, pois fatos verídicos tornam-se reféns de erradas inferências; a incontestável veracidade (de algum modo indesejada) é “trabalhada”, de modo a estabelecer conclusões errôneas. Conteúdos genuínos são compartilhados junto a dados falsos; informações ou imagens são manipuladas com intuito de estabelecer enganos; manchetes, ilustrações ou legendas, em geral, não confirmam conteúdos. Programas televisivos têm por objetivo precípuo a alienação.

Será que estou a descrever Matrix? Melhor falar em caverna platônica? Gostaríeis de reviver o Senhor Neo? Em todo caso, sede aquele que desvia o olhar das imagens projetadas nas paredes deste mundo; que a sabedoria vos auxilie a partir as cadeias; abandonai as trevas fabricadas no interior da caverna e apreciai a luz exterior que se mostra abundante.  

quarta-feira, 26 de março de 2025

Assimptota


A cidadezinha imersa em clima ameno. Pouquíssimas ruas. Na praça principal, como sempre, a majestosa igreja. Ainda na praça a feira livre dos sábados. O vaivém de pessoas cruzando as ruas não é atípico. Contudo, algum político torpe, a título de “boa campanha”, mandou asfaltar a avenida principal, onde se exibem bons cavaleiros e incautos motociclistas. Mas no todo são pessoas simples, acanhadas e de fácil manipulação; a baixa instrução permite tais recursos. Quisera auxiliá-los, mas... como? As escolas atendem apenas as demandas de uma pedagogia espúria. Sim, ocorreu-me; e por que não? Juntei meus parcos recursos e inaugurei uma livraria bem em frente a lagoa que ornamenta o lugar.

Empresarialmente falando, experimentei mais um fracasso. Passaram-se dias, semanas, meses e nada... nem uma venda. Não, não me faltaram visitas; pessoas entravam, olhavam, os mais atrevidos folheavam exemplares, sorriam para mim e retiravam-se de modo silente. Certa feita, enquanto aguardava por “possível” cliente, dispus-me a ler certa reportagem de um semanário: o tema versava acerca de alguém que, preocupada com a quantidade de pessoas despidas, se dispusera inaugurar uma boutique na aldeia indígena. Em uma analogia nada grosseira, repeti de mim para comigo de que aquele povo estava despido de conhecimento.  

Enfim, o que mais poderia ser feito? Infelizmente eu e a cidadezinha éramos, de fato, retas paralelas. Encontrar-nos-íamos no infinito? Nada de arrependimentos, nada de conflitos, nenhuma mesquinhez ou jogos de interesses. Para meu conforto, portanto, assumi uma postura matemática, ou seja; entre mim e a cidade havia algo como uma assíntota: com o tempo, a distância entre a reta e a curva tornar-se-ia cada vez menor.   


quinta-feira, 20 de março de 2025

Um novo rumo

 

Com frequência nos perguntamos pela origem do comportamento “irresponsável” do povo brasileiro. Certamente não se deve descartar a colonização e seus objetivos. Todavia, a temática incorpora algo mais “protocolar”, pois que, há coisa de um século, experimentamos um “certo retrocesso”. Vejamos!

Tennyson nos alerta de que “a reversão sempre arrasta a evolução para o lodo “e “A evolução com frequência torna-se degeneração”. A rude arte, diferente de arte primitiva, é nada mais que o rebaixamento de algo mais elevado. Bem, dentre as características da Semana da Arte de 1922 estão: romper com os padrões estéticos e culturais do passado, crítica à arte tradicional, influência de vanguardas artísticas europeias. Ratzel em History of mankind nos diz que “a selvageria e a crueldade advém do empobrecimento, da decadência da cultura”. Nas palavras de Bixby, “a deficiência cultural leva à deficiência moral, o que impede a marcha ascendente na estrada da civilização em relação a outros povos”. Estaria, portanto, explicada a queda no lodaçal da degradante selvageria na qual estamos imersos.

Só mais um detalhe: A meu ver, a Semana da Arte de 1922 foi um experimento antecipado da Intentona Comunista de 1935.    

quarta-feira, 19 de março de 2025

Acerca do hermafroditismo da raça humana


Na Bíblia: Gênesis 1:27 “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. (O grifo é meu)

John Scottus Eriugena apud Strong (2008, p 933) “Escoto Erígena sustentava que os elementos masculino e feminino ainda não eram distintos”.  

H.H. Bawden apud Strong (2008, p 936) “sugere que o relato da criação de Eva pode ser um ‘resumo pictórico’ de um verdadeiro processo evolutivo filogenético pelo qual os sexos se separaram ou isolaram a partir de um ancestral ou de ancestrais hermafroditas”.

Em Gênesis 2: 20 - 22 “... para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea. Então o Senhor Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu: tomou uma de suas costelas e fechou o lugar com carne.  A costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe”.

A palavra costela pode significar essa porção mesodérmica. Bayard Taylor, em sua obra John Godfrey’s fortunes, à página 392, “sugere que o gênio é hermafrodita, acrescentando um elemento masculino à mulher e um feminino ao homem”.

Mesodérmica, derivado da mesoderme (meso = meio + derme = pele) ou que faz parte dela. A mesoderme está localizada entre a endoderme e a ectoderme. Camada intermediária onde se dá o desenvolvimento inicial do embrião na maioria dos animais.

O professor Loeb, em Am. jour. phisiology, vol. III, nº 3, não descarta a partenogênese em seres mais desenvolvidos. Partenogênese = reprodução a partir de óvulos não fecundados.

Bawden apud Strong ainda nos diz que “O sexo é designado só secundariamente para a perpetuação da espécie”.

Strong (2008, p 937) nos declara que: “Os judeus têm uma tradição de que Adão foi criado com duplo sexo e que ambos posteriormente se separaram. Os hindus dizem que o homem foi o primeiro com dois sexos que se dividiram para povoar a terra. No Zodíaco de Dendera, Castor e Pólux aparecem como homem e uma mulher gêmeos: alguns dizem que se chamavam Adão e Eva. O nome copta pra esse signo é Pi Mahi, ‘os Unidos’. Darwin no postscriptum a uma carta endereçada a Lyell, em julho de 1850, conta ao seu amigo que ele tem ‘uma agradável genealogia para o gênero humano’ e descreve o nosso mais remoto ancestral como um animal que respirava água, tinha uma bexiga para nadar, para isso uma grande cauda, crânio imperfeito e, sem dúvida, era hermafrodita”.


sexta-feira, 14 de março de 2025

A procura de um herói

 

É, do jeito que as coisas vão, estamos precisando de um herói. Mas nada criado pela mídia; nada de artistas globais, sejam eles cantores, compositores, atores, atrizes; nada de jogadores de futebol ou quaisquer outros tipos de atletas. Políticos? Nem pensar! Nada de educadores, escritores, influencers e/ou oportunistas. Sim, eu sei que é difícil. Pergunto-vos: que tal um dos heróis de tempos passados? Ocorre-me falar em Hércules, alguém cantado em verso e prosa por Peisândro de Rodes, Christian Grenier, Monteiro Lobato, Agatha Christie e tantos outros.

Mas, pera aí; muita calma nessa hora! O cara cometeu feminicídio. Não, não foi preso, nem usou tornozeleira. Audiência de custódia? Nem pensar. Todavia, pode-se argumentar a favor do réu que, desde bebê, fora assediado; até serpentes foram colocadas em seu berço. Mas Hércules era um herói nato: ainda na fase de aleitamento esganou as duas serpentes. Alguém, por certo, irá contra- argumentar: - “Só não cumpriu pena por causa do papai!” Sim, de fato, ele era filho de Zeus (bem melhor do que ser filho do Lula). Se interrogado, com certeza Hércules não diria ter sido liberado pelo “amigo do amigo do meu pai”. Hera, a verdadeira esposa de Zeus, odiava o menino bastardo; tantas fez que levou o jovem à loucura e ele acabou por matar a própria esposa e filhos.  

Mas a história não acaba aí. De volta à razão, para se redimir do crime, expiar sua culpa e ser elevado à condição divina, Hércules teve que realizar 12 trabalhos. E por favor, nada de melindres, pois conhecemos “alguém” que abandonou o status de prisioneiro, foi descondenado, teve seus processos engavetados e lançado à condição de presidente de uma nação. Pergunta-se: Seria esse um trabalho?

Voltemos, então, a Hércules! Que trabalhos poderiam ser realizados pelo nosso requestado herói? No Brasil, que eu saiba, não temos Leão de Nemeia, Hidra de Lerna, Touro de Creta, o Cão Cérbero, etc. Nada obstante, me vem à mente desafios típicos de uma nação em declínio, desafios estes que exigiriam coragem, intrepidez e determinação acima da simples condição humana, ou seja, coisa para heróis. Ainda não sei se estaria a exigir demasiado do pobre Hércules. Eis, então, os 12 trabalhos por mim propostos (1 por mês?):   

(1) acabar com a corrupção institucionalizada, (2) fim da insegurança jurídica baseada no discurso espúrio dos direitos humanos, (3) pôr um basta no analfabetismo funcional, (4) criminalizar a manipulação midiática, (5) exterminar com o sindicalismo endêmico, (6) obstar a perseguição aos conservadores,  (7) impedir a censura que se alastra em nome da democracia, (8) desmascarar as narrativas criadas para justificar desmandos, (9) por limites a excessiva carga tributária que banca o desgoverno, (10) proibir a destinação de verbas para custear ditaduras, (11) banir a interferência do crime organizado nas instituições, (12) desmascarar os ditadores de toga que se arvoram em autoridades e agridem a Constituição que dizem defender.  

Pobre herói meu!

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Calçada da fama

 


Dentre constantes delírios, surpreendi-me a passear por Hollywood, Califórnia, Estados Unidos. Meus trajes? Eu diria algo ... desconcertante. Imaginai: calça marrom, camisa cor de rosa e paletó branco. Enfim, parecia envolto numa embalagem de sorvete napolitano. E lá estava, esse que vos escreve, a vagar pela Hollywood Boulevard. Sim, Calçada da Fama. De início um incômodo: a fama atribuída a atores e atrizes deveu-se por conta de seus personagens. A dita calçada, então, deveria ter pegadas de personagens. E como seriam os pés dos personagens? Diferentes dos pés dos astros que lhes deram vida? Abandonei, então, a especulação podo-filosófica, para recordar alguns personagens.

Não, não gostaria de encontra-me com Judy Barton, ocasionalmente conhecida como Madeleine Elster, personagens de Alfred Hitchcock em “Um corpo que cai”. Nada obstante, seria gratificante cruzar com Ilza Lund, levando-a a fazer uma escolhe entre mim e Rick Blaine, personagem de Humphrey Bogart. Quem sabe o próprio Sam, na verdade o pianista Dooley Wilson, a tocar “As time goes by” como fundo musical? Detestaria deparar-me com a Mulher-Gato; ela foi feita para o Batmam ... ou para o Robin; sei lá. E com muita saudade lembrei-me de Dorothy e seu Totó em busca do Mágico de Oz. Afinal, em dias de hoje o que mais encontramos são espantalhos sem cérebro, homens sem coração e leões covardes.

Não, não! Só me faltava essa: fiquei frente a frente com Sarah Connor. E sabeis vós o que ela me disse? “Hasta la vista, baby!”

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Episódio adolescente

 

Sim, eu queria parecer bem vestido, elegante (naquela época, é claro). Como fazer? Além da calça boca de sino e sapato com salto, vali-me da camisa social do meu pai, usada com mangas arregaçadas a sugerir descontração. Saí quase que furtivo, ainda que vigiado, e só retornei depois das onze da noite. Pela manhã, minha mãe obrigou-me a lavar a camisa, pois meu pai precisaria da mesma. E assim fiz. Devo lembrar-vos que, à época, máquina de lavar era coisa rara. Lavei, esfreguei e enxaguei a bendita. Minha mãe exigiu que torcesse bem a peça para pendurá-la no varal. Torci tanto que acabei por arrancar a gola. Adjetivos qualificativos serviram de trilha sonora para os tapas que levei. Não, nada de traumas, apenas uma divertida saudade e admiração por meus pais.

Uma mensagem de Natal

 

A Felicidade é circunstancial. Logo, criemos circunstâncias para sentirmo-nos felizes. Como? Perguntar-me-eis. Simples: amando! “O amor destina-se a pessoas; é uma vontade constante; tem como alvo a promoção do outro; eleva o fim pessoal do outro e faz dele parte de si mesmo”. Amar é devoção. “Devoção que surge do ego em outro, para permear, encher, abençoar esse outro consigo mesmo”. “Amai o próximo como a si mesmo”. O Amor identifica algo de si no outro. Quando amamos, buscamos preservar no outro algo de nós mesmos. Essa preservação é a circunstância que proporciona Felicidade.

Sede felizes!

Um outro mundo

 

É algo bem próximo do abandonar o magistério para tornar-se bedel. Imaginai: os “democratas” proibiram-me de comemorar, ou seja, estou impedido de recordar, de trazer à memória o que me soa importante. Em busca de uma metáfora, descubro que a democracia no Brasil é similar ao querer fazer-se frajola, trajando o clássico “exame de fezes”, embora preocupado em não amarrotar a calça de tergal. 

Inominado

 

E teve lugar o som; sim, era quarta ou quinta-feira, um mês qualquer de um ano bissexto. O primeiro ruído? O estrondo advindo do trovão que teima em acompanhar relâmpagos. Os gatos que dormiam distantes, os morcegos enfurnados em cavernas e os golfinhos imersos no fundo do mar foram os mais afetados, afinal o som precisava ser ouvido por tudo e todos, apesar da abundância de surdos. Então surgiram o pipilar, o coaxar, o silvo, o rinchar, o assobio, o ronco, o berro, o cantar, o bulício, o estrépito, o alvoroço, a gritaria, o etc. Forma de comunicação? Sei lá! Aí alguém descobriu que os sons emitem frequência e inventou o Hertz, o CPS. Um outro mais incomodado inventou o decibel. E a bagunça estava formada. Mas a natureza também nos disponibilizara um Lá natural (440 Hz). Muito embora a música tenha surgido há 35 mil anos com a invenção da flauta de osso, Pitágoras, através da matemática, revelou-nos a escala musical. Desse modo, conhecemos a harmonia, o alento, o agradável da natureza, mas...

Hoje a música é tumulto, é estardalhaço, é desarmonia, é agressividade. Parece-me que o ser humano deleita-se com o inominado.